Se nada for feito para salvar a pele de prefeituras em vias de estrangulamento em municípios pobres, quando o censo 2020 passar, o estado sustentará sua posição subsaariana ocupada há décadas
Por José Eduardo/ Blog Zé Dudu.
Pelo menos seis de cada dez prefeituras paraenses correm o risco de não fechar as contas de 2018 por causa da folha de pagamento. É o que apontam os dados do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais (Siconfi), do Tesouro Nacional, e em cuja fonte o Blog do Zé Dudu foi beber para concluir que 68, das 106 prefeituras do Pará que entregaram sua última prestação de contas referente à despesa com pessoal, estão com a corda no pescoço e às voltas com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O número de prefeituras na corda bamba pode ser ainda maior, visto que algumas, como Canaã dos Carajás, Brejo Grande do Araguaia e Ourém, apresentaram informações com ilusão de ótica e outras 38 não apresentaram informações no prazo legal.
Vários fatores contribuem para o cenário fiscal perturbador. A crise nacional derrubou a arrecadação de vários tributos que geram os repasses constitucionais, dos quais depende a maioria das prefeituras brasileiras. No Pará, poucos são os municípios com capacidade de arrecadação própria e, para piorar, a esmagadora maioria tem na prefeitura o único grande empregador. Assim, a baixa capacidade de geração de renda e tributos em nível municipal, associada à competência administrativa duvidosa dos prefeitos, que definitivamente não conseguem fazer mais com menos, derruba as contas e deixa uma parcela considerável dos governos em vias de pedir concordata.
Na ponta está a população, que assiste à paralisação ou à oferta precária de serviços essenciais, enquanto o estado e seus municípios alcançam níveis cada vez mais profundos de subdesenvolvimento.
O peso de uma folha
A despesa com pessoal é um dos principais indicadores de como o orçamento de uma prefeitura está engessado. Quanto mais elevado o gasto com o funcionalismo, menos margem há para que os prefeitos atendam às necessidades básicas de seus municípios. No Pará, 66 prefeituras estão acima do limite máximo estipulado pela LRF, o que pode trazer muita dor de cabeça aos gestores. O limite máximo que a folha pode atingir é de 54% da receita, mas já a partir de 48,6% de gastos acende-se o sinal de alerta.
Entre o limite de alerta (48,6%) e o máximo (54%) existe o limite prudencial (51,3%), que, quando alcançado, proíbe o gestor de diversas tomadas de atitude, como conceder reajuste salarial, criar cargos, alterar estrutura de carreiras, contratar pessoal e pagar hora extra. Dos 106 governos municipais que apresentaram o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) ao Siconfi, apenas 14 estão na zona de conforto com folha de pagamento.
As prefeituras aparentemente mais eficientes, do ponto de vista fiscal, são as de Peixe-Boi (48,44%), Bonito (48,16%), Oriximiná (48,11%), Abel Figueiredo (47,58%), Nova Ipixuna (47,53%), São João da Ponta (47,24%), Tucumã (46,44%), Ourilândia do Norte (45,73%), Água Azul do Norte (45,14%), Santana do Araguaia (45,02%), Bannach (44,58%). Na indicação do Siconfi, outras três também fazem parte do grupo, a saber, Ourém (39,98%), Brejo Grande do Araguaia (21,81%) e Canaã dos Carajás (28,8%), mas o Blog do Zé Dudu desconfiou da prestação de contas desses governos, por estar muito abaixo do normal, comparou com o balanço do último quadrimestre de 2017 e constatou que os valores informados não condizem com a realidade dos fatos.
Em 2017, Ourém fechou o ano gastando 49,35% de sua receita líquida com pessoal, estando, portanto, acima do limite de alerta. Já Brejo Grande do Araguaia encerrou ano passado comprometendo 48,32% de sua arrecadação com servidores, abaixo do limite de alerta, mas muito acima da indicação atual desarrazoada.
O caso de Canaã é mais flagrante porque o cálculo do limite de gasto com pessoal foi feito considerando-se doze meses de receita corrente líquida e apenas oito de despesa com folha, o que gerou a distorção. Ainda assim, o município é, a bem da verdade, o que tem a situação financeira tecnicamente mais confortável entre todos porque, como recebeu uma avalanche de royalties de mineração não prevista, ajuntou arrecadação que consegue abarcar com suficiência e tranquilidade a despesa com o seu funcionalismo público municipal sem agredir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Despesa e miséria social
Na outra ponta, a mais cruel, estão 13 municípios que já comprometeram mais de 70% de sua receita líquida com servidores este ano. Praticamente todos são paupérrimos, com indicadores precários de qualidade de vida, como Afuá, cuja prefeitura compromete 70,19% de seus R$ 85,81 milhões de receita líquida com folha de pagamento. Afuá, para quem não sabe, é um dos 25 lugares do Brasil com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), de acordo com a última apuração do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) feita em 2013 a partir de dados do censo 2010. Coincidentemente, em 2018, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) traz Afuá com 86% de seus quase 39 mil habitantes vivendo em lares onde a renda per capita não chega sequer a meio salário mínimo.
De mãos dadas com Afuá estão Óbidos (71,83%), Mocajuba (71,98%), Tracuateua (73,04%), Oeiras do Pará (73,26%), Augusto Corrêa (75,4%), Gurupá (76,93%), Aurora do Pará (77,1%), Curralinho (77,47%), Curuá (78,61%), Marituba (78,89%), Igarapé-Miri (80,05%) e a rainha dos gastos, a Prefeitura de Baião, que liquida 84,31% de seus R$ 70,83 milhões de receita com servidores.
Baião é outro lugar extremamente pobre. Na avaliação da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que calcula o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), o município é o segundo mais atrasado do Pará e atingiu o fundo do poço na série histórica do índice este ano. Para se ter ideia da gravidade do subdesenvolvimento, a distância de prosperidade que separa Baião de Louveira (SP), município mais desenvolvido do país, é de quase meia década. O fardo — que ainda tem de suportar 24 mil pessoas de baixa renda — é muito pesado.
Milagres evitam afronta
De maneira geral, as despesas com pessoal são enfadonhas demais e sepultam investimentos basilares em grande parte dos municípios paraenses. Mesmo as prefeituras mais ricas, como Parauapebas, se veem às voltas com a LRF, sendo salvas por milagres da multiplicação. No segundo mais rico município paraense, a mudança numa lei salvou outra (lei) de ser atropelada.
É que, com a mudança na legislação mineral, a alíquota incidente sobre o minério de ferro deu um salto de 2% para 3,5% e aumentou a receita dos royalties de mineração em 75% este ano. Com mais royalties, a receita corrente líquida cresceu e deu fôlego ao gasto com pessoal, que já estava prestes a tocar o limiar máximo, de 54% da receita.
Em 2017, a Prefeitura de Parauapebas fechou o ano tendo gasto mais de meio bilhão de reais com o funcionalismo, no percentual de 53,64% sobre seus R$ 962,5 milhões de receita líquida. No primeiro quadrimestre deste ano, o percentual subiu para 53,88%, tendo o Poder Executivo municipal liquidado entre maio de 2017 e abril de 2018 exatos R$ 544 milhões com a folha. Com a corda no pescoço, a prefeitura precisou terceirizar serviços para não se enforcar, mesmo tendo os royalties aumentado a arrecadação nominal. Após a terceirização, no quadrimestre encerrado em agosto, o percentual de comprometimento da receita com o funcionalismo parauapebense caiu para 50,75%, embora deva voltar a subir por conta da despesa de dezembro que, com o décimo terceiro, é sempre mais alta.
Ação conjunta em 2019
O governador eleito Helder Barbalho, que já foi prefeito de Ananindeua e sabe os sufocos por que passa uma prefeitura para fechar as contas, vai precisar sentar-se com os prefeitos, mesmo aqueles que não lhe deram apoio em campanha, para discutir solução conjunta com vistas a tentar salvar do abismo muitos municípios paraenses, que correm o risco de continuar na lanterna dos afogados no IDHM, na próxima apuração do Pnud, prevista para 2022. O Pnud é um braço da Organização das Nações Unidas (ONU) e, portanto, a vergonha passada aqui no Brasil tem repercussão internacional.
Hoje, segundo o radar mais recente do IDHM, com dados de 2015, o Pará é o 5º estado mais atrasado do Brasil e isso se deve, em grande parte, à situação de penúria em que vivem seus municípios pequenos, que dependem de transferências externas e amargam baixos indicadores de educação, saúde, distribuição de renda, entre outros. Não houve, por décadas a fio, políticas de resgate da situação de miséria desses municípios, estejam eles mais pertos da capital, como os da Ilha do Marajó, ou mais distantes, como os do Tapajós e do Baixo Amazonas.
Se nada for feito para salvar a pele de prefeituras em vias de estrangulamento em municípios pobres, quando o censo 2020 passar, o estado sustentará sua posição subsaariana ocupada há décadas. O Pará continuará segurando o troféu da concentração de rincões de mazelas no país.